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Por que a NSA nada faz contra o narcotráfico – Parte I

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Desde que o mundo tomou conhecimento pleno das colossais capacidades de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA, corroboradas na semana passada, com a revelação de que a agência mantinha sob vigilância as comunicações de 35 chefes de Estado e de governo em todo o mundo, uma pergunta insistente tem sido feita por muitos, inclusive leitores deste boletim: por que tais capacidades não são usadas no combate aos grandes ilícitos, principalmente o narcotráfico – ameaça reconhecidamente mais consistente que o terrorismo?

A resposta é simples e direta: assim como a sua coirmã, a CIA (Agência Central de Inteligência), a NSA integra, desde a sua fundação, o “bloco de controle” do sistema hegemônico estabelecido por certos setores do Establishment anglo-americano após a II Guerra Mundial, no qual os vastos rendimentos do tráfico internacional de drogas têm desempenhado um papel crucial, como fluxos de caixa para um seleto grupo de megabancos e fontes de recursos não declaráveis para o financiamento de operações clandestinas de inteligência e outras atividades que tais redes preferem ocultar dos olhos do público.

Ou seja, o narcotráfico é peça fundamental deste aparato de “governo mundial” e a NSA e a CIA, apoiadas pelo GCHQ (Government Communications Headquarters) e o MI-6 britânicos, além das demais agências que integram a rede “Cinco Olhos”, popularizada pelas revelações do ex-analista Edward Snowden, constituem o núcleo do seu sistema de inteligência.

A rigor, a NSA tem uma participação secundária na agenda antinarcóticos oficial estadunidense, apoiando uma unidade especial da Agência Antidrogas (DEA) na interceptação de ligações telefônicas dentro dos EUA, como foi revelado no início de agosto, como parte do pacote de vazamentos de Snowden. Mas isto é muito pouco para uma agência capaz de transformar celulares desligados em gravadores a milhares de quilômetros de distância, que não teria grandes dificuldades em interceptar as comunicações das redes criminosas – desde que esta intenção estivesse na agenda.

De fato, da forma como é planejada e executada, a “guerra às drogas”, que constitui a política oficial do governo dos EUA, não passa de um cínico jogo de cena para dar uma satisfação à opinião pública, ao concentrar a repressão ao tráfico no confronto com as redes de abastecimento e varejistas – tarefa que se assemelha ao enxugamento de gelo, mas poderia ser bastante facilitada pela interceptação das comunicações dos traficantes -, enquanto esforços apenas cosméticos são feitos contra a lavagem das receitas do tráfico no sistema financeiro, o calcanhar de Aquiles das organizações criminosas.

Em dezembro de 2012, o megabanco britânico HSBC fez um acordo com a Justiça dos EUA, concordando em pagar uma “multa” de 1,92 bilhão de dólares, para evitar uma investigação mais aprofundada e uma punição adequada por confessadas atividades de lavagem de mais de 7 bilhões de dólares de cartéis de drogas mexicanos e organizações vinculadas à rede terrorista Al-Qaida. Ou seja, o banco pagou uma penalidade pouco superior a 20% do dinheiro lavado, escapou de um processo judicial mais profundo – que, se levado a sério, poderia levar à sua liquidação – e ficou livre para seguir praticando os mesmos ilícitos.

Por ironia, como observou o arguto comentarista estadunidense Stephen Lendman, em maio anterior, no mesmo momento em que os executivos do HSBC depunham na comissão especial do Senado estadunidense que investigou o caso, um homem foi detido perto do Capitólio, pela polícia de Washington, com 5,5 gramas de crack, pelo que acabou sendo condenado a dez anos de prisão (MSIa Informa, 11/12/2012).

Além de não ser o único banco envolvido com elas, o HSBC não é neófito nessas atividades. O banco foi fundado em 1865, na então colônia britânica de Hong Kong, com o nome Hongkong and Shangai Banking Corporation, para reciclar os vultosos fluxos de dinheiro provenientes do tráfico de ópio para a China, uma das principais fontes de receita da Companhia das Índias Orientais e uma importante parcela dos fluxos comerciais do Império Britânico desde a segunda metade do século XVIII.

Para impor à China consumo da droga, o Reino Unido travou contra o país as duas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1860), dois dos episódios mais vergonhosos da história das relações entre países. Daí se origina o contubérnio entre drogas, bancos, serviços de inteligência e política externa, herdado e aperfeiçoado pelo atual aparato de “governo mundial” anglo-americano.

Não por acaso, no final de 2009, o então diretor-executivo do Gabinete de Drogas e Crimes das Nações Unidas, Antonio Costa, afirmou que, durante a crise global de 2008-2009, cerca de 352 bilhões de dólares provenientes do narcotráfico foram injetados nos grandes bancos mundiais, dinheiro que evitou uma crise de liquidez para os bancos e foi usado para empréstimos interbancários.

Na ocasião, ele enfatizou que não se tratava de um problema de bancos individuais, mas de todo o sistema financeiro mundial. E a estimativa foi conservadora, pois especialistas colocam os fluxos dos “narcodólares” na casa alta das centenas de bilhões de dólares, o que converte as drogas em um dos três maiores mercados do planeta, juntamente com os hidrocarbonetos e as armas.

Outro alto funcionário que tem apontado o dedo para o papel dos megabancos é o diretor do Serviço Federal de Controle de Drogas da Federação Russa (FSKN, na sigla em russo), Viktor Ivanov, que, em numerosas intervenções públicas, inclusive, nos EUA, Europa e Brasil, tem falado sem rodeios sobre os vínculos entre o tráfico internacional de drogas e o sistema financeiro global. Em uma palestra em Washington, em novembro de 2011, ele sentenciou:

A chave para liquidar o tráfico global de drogas é reformar a economia existente e orientá-la para uma economia que exclua o dinheiro criminoso e garanta a geração contínua de ativos líquidos limpos, ou seja, uma economia de desenvolvimento, em que as decisões sejam baseadas em projetos de desenvolvimento e créditos orientados de longo prazo… As análises mostram que cerca de 10-15% das drogas são interceptadas, ao passo que a proporção do dinheiro das drogas confiscado é menor que 0,5%. Isto significa que a quase totalidade da economia global das drogas entra livremente em circulação e se torna parte dos fluxos de dinheiro globais, aproveitando as vantagens das capacidades do sistema financeiro legal.

Enquanto isso, bancos inescrupulosos, que praticam operações financeiras em larga escala, além de sua capacidade de enfrentar os riscos que assumem, procuram assegurar a liquidez de que necessitam recorrendo à atração criminosa, ou, para ser mais preciso, à absorção de vastos montantes de dinheiro criminoso, a maior parte do qual é dinheiro das drogas.

É igualmente óbvio, e confirmado analiticamente, que o sistema financeiro existente, que opera usando um número grande e crescente de instrumentos financeiros, como opções, futuros, swaps e outros derivativos que inflam a chamada “bolha de sabão financeira”, não pode mais existir sem infeções de dinheiro “sujo”. Esta análise é plenamente confirmada pelas avaliações de especialistas apresentadas no relatório publicado no mês passado pelo ODC, “Estimando os fluxos financeiros ilícitos resultantes do tráfico de drogas e outros crimes organizados transnacionais”.

O relatório afirma abertamente que, hoje, o dinheiro sujo pode entrar facilmente nos fluxos financeiros legais; ao mesmo tempo, os “investimentos” desse dinheiro desarticulam seriamente a economia real e impedem, substancialmente, o crescimento econômico. O relatório estima os fluxos totais de dinheiro sujo do crime organizado transnacional em mais de 1 trilhão de dólares, ou 1,5% do PIB global, e nada menos que 70% desse dinheiro é lavado por meio de instituições financeiras. O setor mais produtivo da dessa economia “negra”, segundo o relatório, é o tráfico de drogas, que representa pelo menos a metade de todos os fluxos criminosos globais (MSIa Informa, 16/12/2011).

Parece evidente que pelo menos uma parcela considerável de tais atividades não poderia passar indetectada por um sistema de inteligência dotado de capacidades tecnológicas como as da rede “Cinco Olhos” (integrada por agências de inteligência eletrônica dos EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia). O problema é que este aparato e as redes do narcotráfico são integrantes de uma mesma agenda e, com frequência, as atividades de ambos se tornam indistinguíveis, como têm revelado numerosos e corajosos agentes policiais, jornalistas investigativos e pesquisadores.

O já falecido agente federal Dennis Dayle, que atuou na repressão às drogas entre as décadas de 1950 e 1980, foi categórico: “Na minha história de 30 anos na DEA [e nos órgãos que a antecederam], os principais alvos de minhas investigações quase invariavelmente se revelavam estar trabalhando para a CIA.”

Outro veterano da DEA, Michael Levine, publicou em 1993 o livro A grande mentira branca, cujo subtítulo da edição original em inglês é autoexplicativo: “A grande operação encoberta que expôs a sabotagem da guerra às drogas pela CIA (a edição brasileira de 1994, da Editora Best-Seller, não tem subtítulo).”

Em 1996, o premiado jornalista investigativo Gary Webb, publicou no jornal San Jose Mercury News uma série de reportagens sob o título “Aliança obscura” (Dark Alliance, em inglês), na qual denunciou o papel da CIA na proteção das redes de traficantes nicaraguenses que introduziram o crack em Los Angeles, cujos rendimentos foram utilizados pela agência no financiamento dos “Contras”, o grupo insurgente que se opunha ao regime sandinista na Nicarágua.

A retaliação do governo federal e de setores da própria imprensa contra Webb foi brutal, tendo o próprio jornal se retratado parcialmente pela publicação da série e o transferido para uma sucursal distante da cidade, o que levou Webb a se demitir, no final de 1997. Depois disto, ele não conseguiu mais trabalho regular na mídia e, em dezembro de 2004, foi encontrado morto em casa, tendo as autoridades considerado o caso como suicídio.

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Créditos ➞ Este artigo foi apresentado no Boletim Eletrônico MSIa INFORMA, do MSIa – Movimento de Solidariedade Íbero-americana, Vol. V, No 15, 25 de outubro de 2013.

MSIa INFORMA ➞ É uma publicação do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa). Conselho Editorial: Angel Palacios, Geraldo Luís Lino, Lorenzo Carrasco (Presidente), Marivilia Carrasco e Silvia Palacios. Endereço: Rua México, 31 – sala 202 – Rio de Janeiro (RJ) – CEP 20031-144; Telefax: 0xx 21-2532-4086.

Para saber mais sobre o tema ➞ Visitar os sites da MSIa/Capax Dei: http://www.alerta.inf.br/ e http://www.msia.org.br/.

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