Breve linha do tempo
O envolvimento da CIA com as drogas remonta à criação da agência, em 1947, sendo justificado pelas necessidades da repressão ao comunismo, no contexto da Guerra Fria. Mas, já durante a II Guerra Mundial, o Escritório de Serviços Estratégicos (OSS), antecessor direto da CIA, utilizou os préstimos da Máfia, tanto nos EUA, como na Sicília e na Córsega, para apoiar as operações de inteligência e militares contra as forças nazifascistas.
Após o conflito, a recém-criada CIA empregou sindicatos criminosos italianos e franceses em suas investidas contra os partidos comunistas dos dois países, por receio de que vencessem as primeiras eleições do pós-guerra. Na França, a aliança da CIA com a Máfia corsa ajudou a consolidar Marselha como a capital ocidental do tráfico de heroína, a célebre “Conexão França”, posto que manteve até a década de 1970.
De uma forma emblemática, o impulso para a criação da CIA veio de um grupo de pesos pesados do OSS, todos ligados aos escritórios de advocacia e às casas financeiras de Wall Street, como William Donovan, os irmãos Dulles – John Foster e Allen Welsh -, Frank Wisner, James Forrestal e outros, que viriam a ocupar altos postos nos governos de Harry Truman (1945-1953), Dwight Eisenhower (1953-1961) e John Kennedy (1961-1963). Desde o início, tem sido uma constante a nomeação de representantes da alta finança para postos na diretoria da agência.
Com a criação da NSA, em 1952, para concentrar a estrutura de inteligência eletrônica, consolidou-se o chamado Acordo UKUSA, que uniu as agências de vigilância eletrônica dos EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, no que viria a ser o atual esquema “Cinco Olhos”.
A capacidade do sistema (denominado Echelon, a partir da década de 1960) ficou atestada por uma investigação do Parlamento Europeu, publicada em 2001, a qual revelou a sua utilização em atividades que nada tinham a ver com a segurança das nações envolvidas, como a espionagem econômica contra empresas europeias.
O inquérito demonstrou que, em 67 concorrências internacionais realizadas no período 1993-2000, as empresas europeias participantes foram derrotadas por suas concorrentes estadunidenses, com o uso de informações provenientes do sistema Echelon, o que resultou em prejuízos superiores a 26 bilhões de dólares para elas.
Ora, se o sistema pode ser utilizado na espionagem econômica em tal escala, por que não poderia apoiar uma campanha verdadeiramente efetiva contra os ilícitos transnacionais?
A criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 1949, ensejou a criação de outro ramo de operações clandestinas em que agências de inteligência se mesclaram com grupos extremistas radicais e organizações criminosas, a chamada Operação Gládio. Seu objetivo primário era o de estabelecer redes de resistência clandestinas para operar atrás das linhas inimigas (chamadas stay-behind), no caso de uma invasão da Europa pelas forças militares soviéticas.
Porém, como a URSS não cooperou com os planos, tais grupos se voltaram contra as populações dos seus próprios países, promovendo uma série de ações terroristas com o objetivo de espalhar o terror entre elas, para atribuir a culpa a extremistas comunistas. Até o início da década de 1990, quando foi revelada, a Operação Gládio e suas ramificações vitimaram centenas de pessoas, entre mortos e feridos em atentados à bomba e assassinatos. Entre as suas vítimas, contam-se estadistas como o turco Adnan Menderes (1961), o italiano Aldo Moro (1977), o português Francisco Sá-Carneiro (1980), o sueco Olof Palme (1986) e outros, além da desestabilização de vários governos, como os da Grécia (1967) e Chipre (1974).
Em 1950, com a chamada Operação Papel (Operation Paper), a CIA ajudou a organizar uma vasta rede de produção e distribuição de ópio na região do chamado Triângulo Dourado – Birmânia (hoje Myanmar), Tailândia e Laos -, para financiar as ações de uma força militar do Partido Nacionalista Chinês (Kuomintang), em uma tentativa de estabelecimento de uma frente militar contra os comunistas de Mao Tsé-tung, que haviam tomado o poder na China, no ano anterior. Para tanto, a agência chegou a criar empresas de transporte marítimo e aéreo (a Air America, popularizada no filme de 1990 com o mesmo nome, do diretor Roger Spottiswoode). Embora o esforço anticomunista tenha fracassado, em menos de uma década, o Triângulo Dourado se tornou o maior centro mundial de produção de ópio e heroína.
E para que não se pense que a inteligência estadunidense detinha alguma exclusividade na promiscuidade com o narcotráfico, a sua contraparte francesa havia estabelecido um esquema semelhante na Indochina Francesa, hoje Vietnã. Ali, após a retirada dos japoneses, que ocuparam a região durante a guerra, o SDECE (Serviço de Documentação Exterior e Contraespionagem) passou a controlar a produção de ópio nas montanhas e o seu transporte a Saigon, onde era repassado a organizações criminosas locais e chinesas, para a redistribuição, com ambas as partes compartilhando os lucros. Após a derrota e a retirada francesa, em 1954, a CIA entrou em cena e substituiu os europeus no negócio, unificando as operações de drogas em todo o Sudeste Asiático.
Ao contrário do que se poderia supor, a Guerra do Vietnã (1964-1973) não prejudicou a produção de narcóticos do Sudeste Asiático; ao contrário, ao final do conflito, a região respondia por cerca de 70% da produção mundial de ópio e heroína. Durante a guerra, grande parte dela era transportada aos EUA em aviões militares, inclusive, escondida em cadáveres de militares mortos. Entre 1965 e 1969, o número de viciados em heroína nos EUA aumentou cinco vezes, aí incluído um considerável número de militares.
Após a guerra, um sucesso temporário da DEA na repressão direta junto às fontes produtoras de heroína, na Ásia e no México, conseguiu uma importante redução do número de adictos à droga nos EUA, que caíram de cerca de 500 mil para 200 mil.
Entretanto, o quadro voltou a se reverter na década de 1980, com a ampla utilização do narcotráfico no financiamento de operações clandestinas da CIA, no apoio aos mujahidin que combatiam os invasores soviéticos no Afeganistão e aos “Contras” nicaragueneses. A partir desta década, a liderança na produção de ópio passou para o chamado Crescente Dourado, área dividida entre o Afeganistão e o Paquistão, enquanto a América do Sul (Colômbia, Peru e Bolívia) se consolidava como centro produtor de cocaína.
No Afeganistão, o apoio logístico e as armas fornecidas pela CIA aos senhores da guerra locais, que contou com a participação da agência de inteligência paquistanesa ISI (Inter-Services Intelligence), criou condições para uma rápida expansão das exportações de drogas do país, que, em pouco tempo, passou a responder por mais de 60% do consumo estadunidense, devolvendo os níveis de adicção aos números anteriores.
Em 1998-1999, a intervenção militar da OTAN contra a Sérvia, que levou à secessão da província do Kosovo, colocou no governo da nova nação o Exército de Libertação do Kosovo (ELK), entidade em grande medida financiada com receitas do tráfico de heroína do Crescente Dourado para a Europa, mantidas após a sua conversão em partido governista.
Emblematicamente, o ELK manteve também os seus vínculos anteriores com as redes da Al-Qaida, que manteve os seus campos de treinamento no país. Como tropas da OTAN continuam estacionadas no país, vale dizer que a Aliança Atlântica protege tanto as redes terroristas como os narcotraficantes.
Em maio de 1999, já aposentado da DEA, Michael Levine falou abertamente sobre o ELK:
É a mesma velha história. Dez anos atrás, nós estávamos armando e equipando os piores elementos dos mujahidin no Afeganistão – traficantes de drogas, contrabandistas de armas, terroristas antiamericanos. Depois, pagamos o preço quando o World Trade Center foi atacado [explosão de um carro-bomba, em fevereiro de 1993, que causou seis mortes - n.e.], e descobrimos que alguns dos responsáveis haviam sido treinados por nós mesmos. Agora, estamos fazendo a mesma coisa com o ELK, que está ligado a cada cartel de drogas conhecido, no Oriente Médio e no Extremo Oriente. A Interpol, Europol e quase todas as agências de inteligência e antinarcóticos européias têm arquivos abertos sobre os sindicatos de drogas que levam diretamente ao ELK e às gangues albanesas no país (New American Magazine, 24/05/1999).”
A partir da invasão encabeçada pelos EUA, em 2001, o Afeganistão se firmou como o maior produtor de ópio e heroína, passando a responder por mais de 80% da produção mundial das drogas – atividade que, como no Kosovo, ocorre sob a proteção das forças da OTAN.
Como se percebe, para as agências de inteligência do “governo mundial” e seus controladores, os fins justificam os meios. Até mesmo a própria DEA já foi flagrada em relações promíscuas com os seus alvos, no caso, os narcocarteis mexicanos. Em dezembro de 2011, o New York Times revelou que agentes encobertos da DEA foram flagrados participando de operações de lavagem de dinheiro para membros do Cartel de Sinaloa, sob o pretexto de infiltrá-lo.
Por trás da repressão ao comunismo soviético e chinês e, depois, ao “terrorismo”, sempre esteve uma ampla agenda de controle de recursos naturais, principalmente, o petrõleo. Como afirma Peter Dale Scott, no livro The Road to 9/11: Wealth, Empire, and the Future of America (2007):
O resultado de tudo isso não é apenas uma praga mundial de drogas; os fluxos de drogas também proporcionam a infraestrutura socioeconômica para os grupos terroristas espalhados coletivamente conhecidos como Al-Qaida. Os que responsabilizam a CIA pela ascensão da Al-Qaida, geralmente, apontam para o abastecimento de armas e treinamento feito pela CIA durante a guerra afegã da década de 1980. Mas as operações estadunidenses em conjunto com exércitos de drogas jihadistas, após o final daquela guerra, talvez, tenham sido ainda mais responsáveis… A tolerância e, até mesmo, a aliança dos EUA com grupos jihadistas apoiados pela Al-Qaida – notavelmente, no Afeganistão, Azerbaijão, Bósnia e Kosovo – se deram em áreas de grande interesse de companhias petrolíferas estadunidenses.
A combinação de drogas, armas, operações clandestinas de inteligência e lavagem de dinheiro representa um modelo que tal governo paralelo dos EUA e seus cúmplices estrangeiros têm colocado em prática exaustivamente, em todo o período transcorrido desde o final da II Guerra Mundial. Anteriormente, o pretexto era a contenção do comunismo soviético; após o desaparecimento da URSS, com o advento da “Nova Ordem Mundial” proclamada por George Bush pai, passou a ser o terrorismo internacional, principalmente, de origem islâmica.
O “combate ao terrorismo” tem sido repetido como um mantra, em toscas justificativas das autoridades estadunidenses e britânicas para a espionagem eletrônica contra governos e empresas de fora do eixo anglófono. É mais que hora de o resto do mundo tirar-lhes as máscaras e apresentar tal esquema de poder pelo que realmente é – uma das maiores ameaças à paz e à prosperidade mundiais, no presente e no futuro imediato.
Créditos ➞ Este artigo foi apresentado no Boletim Eletrônico MSIa INFORMA, do MSIa – Movimento de Solidariedade Íbero-americana, Vol. V, No 15, 25 de outubro de 2013.
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