O último relatório do Laboratório Europeu de Antecipação Política (LEAP) faz eco do artigo do jornalista chinês Liu Chang, que propôs a construção de “um mundo desamericanizado”, publicado pela agência Xinhua em 13 de outubro (MSIa Informa, 18/10/2013).
Apesar de ter sido redigido anteriormente ao entendimento de última hora do Congresso dos EUA sobre a elevação do teto da dívida pública, que ameaçava provocar uma inusitada inadimplência dos títulos do Tesouro estadunidense, o documento afirma que o próprio impasse constitui uma forte evidência adicional da crise de liderança do país. Dizem os autores:
Há momentos em que a História se acelera. Qualquer que seja a saída das negociações sobre o “shutdown” e o teto da dívida, outubro de 2013 é um desses momentos, em que o abuso do fechamento abriu os olhos dos que ainda apoiavam os EUA. Um líder é seguido quando é temido, não quando banca o ridículo. “Construir um mundo desamericanizado”: há alguns anos, esta afirmação teria provocado risadas. Teria passado por uma provocação de [o falecido presidente venezuelano] Hugo Chávez. Mas, quando se assiste ao vivo a quebra dos EUA e uma agência de notícias oficial chinesa o diz, o impacto não é o mesmo. Em realidade, ela descreve abertamente um processo que já está amplamente em marcha – simplesmente, agora, já se tolera que seja admitido publicamente. O fechamento do governo estadunidense tem, pelo menos, o mérito de destravar as línguas.
Porém, não nos equivoquemos, tal análise não apareceu casualmente na mídia chinesa, ela reflete o endurecimento do tom de Pequim. Com efeito, se o mundo inteiro prende a respiração diante do jogo patético das elites estadunidenses, não é por compaixão, mas para evitar ser arrastado pela queda da primeira potência mundial. Cada um tenta se desacoplar da influência estadunidense e soltar-se definitivamente dos EUA, definitivamente desacreditados pelos recentes episódios sobre a Síria, a malograda redução dos pacotes de estímulos financeiros aos bancos, o “shutdown” e, agora, o teto da dívida. O lendário poderio estadunidense não é mais que um poder destrutivo e o mundo compreendeu que já era hora de se desamericanizar.
Esta perspectiva e a verbalização do que antes não se dizia liberam, finalmente, um conjunto de soluções que estavam até agora à espera de implementar-se e eram, inclusive, rechaçadas por alguns. Estas soluções aceleram a construção do mundo de amanhã e abrem um mundo multipolar e organizado em torno dos grandes blocos regionais. (…) (Global European Anticipation Bulletin No. 78, 16/10/2013.)
Os autores afirmam que, para a China, a “desamericanização” passa, principalmente, pela “desdolarização”, que, no tocante às reservas cambiais, Pequim vem promovendo gradualmente, sem grande alarde, para evitar uma confrontação com os EUA, que pode ser “brutal”. Para tanto, o país vem comprando volumes recordes de ouro, enquanto diminui a compra de títulos do Tesouro estadunidense e tende a descartá-los, também gradualmente. Ademais, a China tem negociado em sua própria moeda as compras de petróleo e gás natural da Rússia e, possivelmente, do Irã, e acaba de estabelecer acordos de troca de moedas (swap) com a Eurozona e a Coreia do Sul.
A propósito, na terça-feira 22, em Pequim, o presidente Xi Jinping e o premier russo Dmitri Medvedev assinaram 21 acordos comerciais, em montante equivalente a 85 bilhões de dólares, incluindo o fornecimento de 100 milhões de toneladas de petróleo russo à estatal chinesa Sinopec, nos próximos dez anos. Durante uma conversa online com internautas chineses, Medvedev afirmou que o acordo é uma demonstração de que os dois vizinhos “atingiram um nível maior e mais novo de cooperação” (RT, 22/10/2013).
Possivelmente, os analistas do LEAP se baseiem mais em wishful thinking do que em fatos reais, ao indicar que a gradativa redução do uso do dólar como moeda de referência prenuncia “a morte do petrodólar”.
A derrocada do petrodólar, acrescentam, “terá graves consequências para a Arábia Saudita, que edificou o seu poder e sua riqueza sobre este sistema. Se verá obrigada a diversificar seus clientes e as moedas que aceita, o que implica na perda da proteção militar estadunidense e, portanto, a busca de novas alianças… Nos próximos anos, também a Arábia Saudita atingirá um momento crucial de sua história”.
O problema é que não se pode sair de um sistema de referência sem que se tenha disponível um substituto. Não se trata de trocar de hegemonia, mas de criar um sistema cooperativo de blocos monetários regionais, que não estão à vista. De resto, a China se move dentro de dois mundos: em algumas vezes, atua como se formasse um G-2 com os EUA, em outras, ameaça deixar o matrimônio de conveniência – mas ainda está umbilicalmente ligada ao dólar. Portanto, ainda será preciso aguardar para ver se a “desamericanização” é uma perspectiva real ou se não passa de uma quimera.
Créditos ➞ Este artigo foi apresentado no Boletim Eletrônico MSIa INFORMA, do MSIa – Movimento de Solidariedade Íbero-americana, Vol. V, No 15, 25 de outubro de 2013.
MSIa INFORMA ➞ É uma publicação do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa). Conselho Editorial: Angel Palacios, Geraldo Luís Lino, Lorenzo Carrasco (Presidente), Marivilia Carrasco e Silvia Palacios. Endereço: Rua México, 31 – sala 202 – Rio de Janeiro (RJ) – CEP 20031-144; Telefax: 0xx 21-2532-4086.
Para saber mais sobre o tema ➞ Visitar os sites da MSIa/Capax Dei: http://www.alerta.inf.br/ e http://www.msia.org.br/.
Mensagens e sugestões ➞ Favor enviar para msia@msia.org.br
Para adquirir as publicações da Capax Dei Editora Ltda. ➞ Loja virtual em: www.capaxdei.com.br; e-mail : capaxdeieditora@gmail.com
O post “Desamericanização do mundo”: quimera ou possibilidade real? apareceu primeiro em Blog do Ambientalismo.