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A Europa e suas “repúblicas bananeiras”

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Mais do que qualquer outro acontecimento recente, as repercussões do “Affair Snowden” estão descortinando, de vez, a deplorável submissão dos principais países europeus à agenda dos EUA. Acima de todos, destaca-se a França, outrora orgulhosa da sua independência estratégica de Washington, não raro, se opondo aos desígnios do establishment anglo-americano no pós-guerra, com sua força nuclear própria, capacidade de inteligência e uma indústria de defesa e aeroespacial que nada fica devendo à capacitação de suas congêneres do outro lado do Atlântico.

Pois foi de Paris que veio a manifestação mais humilhante de servilismo frente aos ditames estadunidenses, que deve estar fazendo o general e ex-presidente Charles de Gaulle rolar de indignação em sua tumba, no seu vilarejo natal de Colombey-les-deux-Églises.

Obama-e-snowden

Imagem: http://operamundi.uol.com.br

O imbróglio envolveu o virtual sequestro aéreo do presidente boliviano Evo Morales, cujo avião presidencial teve negada a permissão de sobrevôo pelos governos da França, Itália, Espanha e Portugal, na terça-feira 2 de julho, quando retornava de Moscou, onde participou de uma reunião de países produtores de gás natural. A negativa, motivada pela suspeita de que o ex-analista de inteligência Edward Snowden estaria a bordo, obrigou a um pouso não previsto em Viena, onde a aeronave ficou retida por nada menos que 13 horas, tendo sido, inclusive, submetida a uma revista por autoridades austríacas.

Ambos os procedimentos são inusitados e representam graves violações do Direito Internacional e das normas mais elementares de convivência entre nações civilizadas – pelas quais os governos envolvidos demonstraram considerar em plano bastante inferior ao dos interesses que orientam as suas relações com os EUA.

Segundo uma nota da agência noticiosa McClatchy, a suspeita de que Morales estivesse “dando uma carona” a Snowden teria partido de um funcionário estadunidense encarregado de vigiar a presença do ex-analista no aeroporto de Sheremetyevo, em Moscou, onde se encontra retido desde 23 de junho. Tendo o perdido de vista, o arguto funcionário constatou que o avião de Morales estava partindo, naquele momento, do aeroporto de Vnukovo, a 56 quilômetros de distância de Sheremetyevo, onde pousam e decolam aeronaves oficiais estrangeiras em visita à capital russa e, fazendo uma ligação entre os dois fatos, disparou o alarme aos seus superiores.

Imediatamente, a mão pesada de Washington se fez sentir, pressionando os governos dos países na rota de Morales a negar-lhe o sobrevôo, ao mesmo tempo em que enviava uma nota à chancelaria boliviana em La Paz, solicitando a extradição de Snowden (McClatchy, 5/07/2013).

Dos governos da Itália, Espanha e Portugal, não se deveria mesmo esperar atitudes diferentes; afinal, a partir de 2001, todos se envolveram nas aventuras militares dos EUA, do Afeganistão em diante. Porém, no desmoralizante episódio, quem saiu pior na foto foi mesmo o presidente francês François Hollande, que, ainda na véspera, vociferava contra a intromissão da NSA em seu país, mesmo depois que o jornal Le Monde informou ao distinto público que a DGSE (Direction Générale de la Sécurité Extérieure) francesa mantém um esquema de inteligência eletrônica semelhante.

Não por acaso, Hollande já está sendo considerado por muitos de seus compatriotas como o pior mandatário francês do pós-guerra, com níveis de popularidade abaixo de 20%, em apenas um ano de mandato. Porém, com tropas francesas participando da invasão do Afeganistão, tendo tomado a iniciativa no ataque ao regime de Muamar Kadafi, na Líbia, e promovido uma intervenção unilateral no Mali, o servilismo de Hollande apenas ratifica o impulso “neoimperial” que os líderes de Paris vêm manifestando desde a década passada, com a significativa exceção da recusa de participar da aventura dos EUA e sua “coalizão dos dispostos” no Iraque.

A submissão de Hollande traz, igualmente, à memória a rendição de François Mitterrand à chantagem da então premier britânica Margaret Thatcher, durante a Guerra das Malvinas, em 1982, quando a “Dama de Ferro” o pressionou para exigir a entrega dos códigos eletrônicos usados pelos mísseis franceses Exocet usados pelas forças argentinas contra as belonaves da Royal Navy que cercavam o arquipélago disputado, o que permitiria aos militares britânicos utilizar contramedidas eletrônicas para desviá-los.

Na ocasião, Mitterrand revelou ao seu psicanalista que Thatcher o havia ameaçado com um bombardeio nuclear a uma cidade argentina, caso não recebesse as informações exigidas. Embora, dificilmente, Thatcher tivesse feito chantagem semelhante contra um chefe de Estado dotado de maior rigidez vertebral, como de Gaulle, hoje, só se pode especular sobre qual teria sido o argumento usado por Washington para submeter Hollande às suas exigências.

De qualquer maneira, independentemente da eventual reação europeia ao ultraje deflagrado pelo episódio em toda a América do Sul, a desmoralização acarretada pelo ostensivo atrelamento continental à agenda dos EUA atinge níveis igualmente inéditos. Portanto, serão precisas mais que desculpas diplomáticas para reverter a sensação prevalecente de que o antigo conceito das “repúblicas bananeiras” se transferiu para o Velho Continente.

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Créditos ➞ Este artigo foi apresentado no Boletim Eletrônico MSIa INFORMA, do MSIa – Movimento de Solidariedade Íbero-americana, Vol. V, No 01, de 12 de julho de 2013.

MSIa INFORMA ➞ É uma publicação do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa). Conselho Editorial: Angel Palacios, Geraldo Luís Lino, Lorenzo Carrasco (Presidente), Marivilia Carrasco e Silvia Palacios. Endereço: Rua México, 31 – sala 202 – Rio de Janeiro (RJ) – CEP 20031-144; Telefax: 0xx 21-2532-4086.

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