Em meio à campanha para as próximas eleições federais da Alemanha, em setembro, as recentes pesquisas de opinião apontam que a maioria da população está dividida entre a governista União Democrática Cristã (CDU), da chanceler Angela Merkel, e o oposicionista Partido Social Democrata (SPD). Ambas as agremiações se apresentam como uma continuidade temperada por uma necessária correção na política econômica alemã. As lideranças social democratas, como o candidato a chanceler Peer Steinbrück (que se opõe à formação de uma grande coalizão) e o ex-ministro das Relações Exteriores Franz-Walter Steinmeier, defendem uma clara regulamentação da política financeira, incluindo a regulamentação do setor bancário, e uma “modernização na parceria” com a Rússia.
O dilema que as lideranças do SPD enfrentam com relação às suas bases é que a maioria delas é favorável a uma coalizão com o Partido Verde. É difícil predizer qual será o resultado final das próximas eleições, mas se o Linke (“Esquerda”, sucessor do extinto Partido Socialista Unificado da Alemanha Oriental – SED) se tornar parte da possível coalizão do SPD com os verdes, uma mudança de governo será efetivamente possível.
Independentemente de quem assumirá o poder, o próximo governo terá que ter uma clara idéia sobre o futuro da política externa do país, tema que se torna ainda mais importante com as revelações do ex-técnico da NSA, Edward Snowden, que dominam o debate público, levantando questões sobre as ações de espionagem estadunidense contra países “amigos”. Tais questionamentos têm motivado um crescente e forte sentimento antiamericano na Alemanha, tal como ex-ministro do Interior Otto Schily destacou em recente entrevista ao periódico Spiegel Online (24/07/2013).
Um dos principais aspectos da política externa alemã é a relação com a Rússia. O estrategista sênior do SPD, Egon Bahr, tem afirmado que tais relações bilaterais são a chave para o futuro de toda a Europa. Na mesma linha, o Comitê de Relações Orientais da Indústria Alemã expressou preocupações com o status das relações com a Rússia. Uma sondagem realizada pela entidade junto a empresários alemães constatou que 54% deles consideram que as relações germano-russas estão sob tensão. O Comitê listou ainda as cinco principais demandas que devem ser atendidas para aprimorar as relações bilaterais:
1) eliminar a obrigação de concessão de vistos para o livre trânsito de russos e cidadãos europeus;
2) um maior desenvolvimento da “parceria de modernização” com a Rússia, que inclua a promoção de “projetos de vanguarda” cruciais na área de infraestrutura;
3) trabalhar no sentido de uma nova “arquitetura econômica da Europa”, começando pelo acordo de livre comércio entre a Rússia e a União Europeia;
4) a promoção de indústrias de médio porte no Leste Europeu; e
5) aprimorar a infraestrutura de transportes entre o Leste Europeu e a Europa Ocidental, ampliando as conexões rodoviárias e ferroviárias.
O influente “kremlinologista” Alexander Rahr tem insistido em que a Rússia e a Alemanha devem se tornar o motor principal da Europa. Enquanto a Alemanha deve desempenhar um papel de importância na definição do futuro da eurozona, a Rússia, diz ele, está atuando no sentido de uma “União Eurasiática”, um modelo de integração econômica para mais de 80% dos Estados ex-membros da União Soviética, que oferece um “guarda-chuva de segurança” financeiro.
50 anos de Ostpolitik
Que lições podem ser extraídas das reflexões sobre os 50 anos da Ostpolitik, a política externa da Alemanha Ocidental para os países do Leste no período da Guerra Fria e da divisão da Alemanha? Este assunto chama a atenção para certas constantes históricas das relações exteriores do país europeu: o comprometimento com uma coexistência pacífica e com parcerias econômicas em termos de trocas por meio do comércio, que têm se tornado cada vez mais relevantes em um mundo multipolar, em especial, em vista das zonas de conflito no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, a política externa alemã sempre esteve baseada no equilíbrio entre um bom relacionamento com os EUA e, ao mesmo tempo, a tentativa de manter boas relações com a Rússia. Certamente, tais concepções contrastam com as iniciativas da política exterior britânica e francesa dos últimos tempos, em sua determinação de transformar continuamente o mundo árabe.
Neste cenário, vale destacar o livro recém-publicado por Egon Bahr, reconhecido como o principal arquiteto da Ostpolitik, no início da década de 1970, no governo de Willy Brandt (1969-1974). No livro, Bahr delineia o processo de elaboração da Ostpolitik. O principal conceito desta política era o de “mudança por meio da aproximação”. A iniciativa pavimentou o caminho para uma série de tratados com países do Leste, entre eles a URSS, Polônia e a Alemanha Oriental, outro com as quatro potências aliadas ocupantes de Berlim e um com a antiga Checoslováquia, além de diversos acordos relativos ao trânsito de pessoas entre Berlim Ocidental e Oriental e possibilidades de viagens para cidadãos de ambos os lados. Estas negociações representaram um marco para a Europa e foram o primeiro passo para a superação da divisão da própria Alemanha, bem como da clivagem entre a Europa Ocidental e o Leste Europeu.
Para viabilizar a Ostpolitik, foi necessário o estabelecimento de discretos canais de comunicação entre Brandt e o secretário-geral soviético Leonid Brejnev, que se encontraram pela primeira vez em 1970, após Brandt ter encontrado o presidente estadunidense Richard Nixon e o secretário de Estado Henry Kissinger. Encorajado, tanto por Brejnev quanto por Kissinger, Brandt levou adiante os seus esforços pelo estabelecimento de um canal de comunicações, em um processo que envolveu Bahr, dois agentes graduados do KGB, Wjatschelaw Keworkow e Walerij Lednew e os embaixadores soviético e estadunidense em Bonn, Valentin Falin e Ken Rush. Tal canal diplomático entre Moscou, Berlim e Washington ganhou um caráter institucional e continuou sob a gestão de Helmut Schmidt (1974-82) e Helmut Kohl (1982-1998).
Em 1974, devido à descoberta de um espião da Stasi (serviço secreto da Alemanha Oriental) infiltrado no círculo de assessores de Brandt, Günter Guillaume, o chanceler alemão teve que renunciar ao cargo, sendo sucedido por Schmidt.
Bases das futuras relações germano-russas
Atualmente, trava-se um acirrado debate sobre o futuro da orientação política alemã em relação à Rússia, resumido pela revista Osteuropa em sua edição de agosto. Dentre os ensaios publicados, destaca-se um artigo do cientista político Andreas Heinemann-Grüder, intitulado “Mudança por meio da acomodação”, ao mesmo tempo crítico e pragmático sobre a existência de certos gargalos nas relações com a Rússia. Para ele, por exemplo, a Rússia desponta como um centro de inovação, em meio à sistemática evasão de cérebros que tem prevalecido desde o final dos anos 1990.
Profissionais de áreas científicas, de pesquisa e desenvolvimento, especialistas em informática e programadores têm deixando a Rússia desde 1990. O número de institutos de pesquisa diminuiu dramaticamente. A corrupção e o nepotismo têm se ampliado nas universidades de referência e a burocracia reduziu a interação produtiva entre a pesquisa e desenvolvimento e a economia nacional. Entre as 500 melhores universidades de todo o mundo, a Universidade de Lomonossow está na 74ª, posição, a melhor dentre as instituições russas. O total investido em ciência e inovação na Rússia representa 1% do PIB, o que não é mais do que um terço do investido pela Alemanha nestes setores, e há três vezes mais estudantes russos vindo para a Alemanha do que estudantes alemães indo para a Rússia. Se o governo russo investisse mais em pesquisa e desenvolvimento, conclui Heinemann-Grüder, as relações com a Alemanha seriam menos assimétricas.
O autor defende uma política “pragmática” da Alemanha em relação à Rússia, que deve incluir: cooperação na política de segurança para conflitos regionais; desarmamento e controle de armas; medidas de construção de confiança mútua nas doutrinas militares; auxílio aos que desejam reformas e modernização, sem omitir a questão dos direitos humanos; mecanismos de reação contra crises em coordenação com a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE); a simplificação na emissão de vistos, de modo a permitir que cidadãos possam viajar mais livremente.
Elisabeth Hellenbroich, de Wiesbaden
Créditos ➞ Este artigo foi apresentado no Boletim Eletrônico MSIa INFORMA, do MSIa – Movimento de Solidariedade Íbero-americana, Vol. V, No 04, 09 de agosto de 2013.
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