Após o anúncio de que as forças militares sírias teriam utilizado gás sarin em ataques aos insurgentes que, há mais de dois anos, tentam derrubar o presidente Bashar al-Assad, feito pelo governo dos EUA, a expectativa mundial se voltou para os próximos passos do presidente Barack Obama, que já havia afirmado que o uso de armas químicas no conflito seria uma “linha vermelha”, a qual justificaria uma intervenção militar direta contra Damasco.
O problema é que a situação é completamente diferente da de 2003, quando o então secretário de Estado Colin Powell e o premier britânico Tony Blair puderam mentir despudoradamente ao mundo sobre a posse de armas químicas pelo Iraque de Saddam Hussein, para justificar a invasão de março daquele ano, como também da de 2011, quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a “zona de exclusão aérea” utilizada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para neutralizar as forças militares da Líbia de Muamar Kadafi. A principal diferença, em ambos os casos, é a atitude assertiva da Federação Russa de Vladimir Putin, que, com o apoio pouco velado da China, já deixou claro que a Síria não repetirá a Líbia.
Para complicar o cenário, o anúncio de que a inteligência estadunidense teria uma “elevada confiança” de que o Exército sírio teria usado armas químicas foi feito por um obscuro assessor da Casa Branca, até então, conhecido apenas por ser um dos redatores de discursos de Obama e um de seus marqueteiros, tendo criado o eufemismo “ação militar cinética” para qualificar a ofensiva contra a Líbia. Apenas poucas semanas antes, nenhum serviço de inteligência tinha qualquer evidência concreta sobre o emprego de armas químicas pelas forças de Assad, apenas afirmativas vagas. Ao contrário, segundo a ex-procuradora do Tribunal Penal Internacional Carla del Ponte, enviada à Síria para investigar o assunto, as evidências de campo apontavam para os rebeldes como os usuários de tais armamentos. Em paralelo, autoridades da Turquia e do Iraque prenderam em seus territóros elementos rebeldes que estavam na posse de sarin, pronto para ser utilizado.
Não obstante, a “revelação” motivou Obama a afirmar que seu governo estava considerando o envio de equipamentos militares, inclusive armamentos, aos insurgentes. Por sua vez, o secretário de Estado John Kerry passou a propor a realização de ataques aéreos “imediatos” contra bases aéreas sírias, sendo secundado por três dos mais belicosos senadores do Congresso, os democratas Bob Menendez e Carl Levin e o republicano John McCain, que enviaram uma carta aberta a Obama, pedindo ataques “decisivos” contra alvos militares sírios.
Curiosamente, em nova manifestação das divisões em Washington sobre o conflito sírio, a belicosidade do secretário e dos senadores foi algo resfriada pelo chefe do Estado-Maior Conjunto, general Martin Dempsey, que afirmou que o Departamento de Estado não compreende plenamente a complexidade de uma tal operação militar e exigiu saber qual seria o plano para a situação pós-ataque. Segundo ele, a Força Aérea dos EUA não poderia simplesmente “despejar algumas bombas” sobre a Síria, sem antes neutralizar o poderoso sistema de defesa aérea do país, o que necessitaria de pelo menos 700 sortidas de alto risco. Ademais, afirmou, o Pentágono não apoiaria tal plano sem uma estratégia de saída (Bloomberg, 18/06/2013).
Apesar disso, a atitude de Obama tende a dificultar sobremaneira a realização da conferência “Genebra 2″, que Kerry e seu colega russo Sergei Lavrov haviam acertado em Moscou, já bastante enfraquecida pelos múltiplos desentendimentos entre a chamada oposição síria, que cada vez mais se revela como um agrupamento de interesses distintos, com um forte componente de islamistas radicais, os quais passaram a integrar o grosso das forças combatentes.
Por outro lado, a “linha vermelha” de fato foi traçada por Putin, que utilizou a cúpula do G-8 em Enniskillen, Irlanda do Norte, para reforçar o recado de Moscou. Ao contrário do que afirmou a mídia ocidental, sugerindo um “isolamento” do presidente russo, foi este quem enquadrou seus colegas e impediu que a declaração final do evento incluísse a exigência de uma mudança de regime em Damasco, como era a intenção deles. Posteriormente, Putin ainda ironizou os comentários e afirmou que nem todos os mandatários presentes concordavam com as acusações sobre o uso de armas químicas pelos militares sírios (RT, 18/06/2013).
Para reforçar a argumentação, na quarta-feira 19 de junho, o Kremlin anunciou o envio à Síria de dois navios de guerra, com 600 fuzileiros navais a bordo, “para proteger os cidadãos russos que vivem lá”, cerca de 20 mil pessoas. O anúncio foi feito pelo vice-chefe da Força Aérea, major-general Vladimir Gradusov, que complementou afirmando que, se necessário, um contingente aéreo seria incluído na missão (Interfax, 19/06/2013).
Como afirmamos anteriormente, a determinação de Moscou está proporcionando aos principais aliados de Assad, o Irã e o Hisbolá libanês, a possibilidade de intervenções que estão se mostrando decisivas para virar os confrontos militares em favor de Damasco. Em 16 de junho, o veterano Robert Fisk, um dos jornalistas ocidentais que melhor conhece o mundo islâmico, afirmou em sua coluna no The Independent que Teerã está pronta para enviar à Síria 4 mil homens a Guarda Revolucionária, para apoiar as forças de Assad. Até agora, a participação iraniana vinha se limitando ao fornecimento de equipamentos e assessores militares – que, juntamente com contingentes do Hisbolá, se revelaram decisivos na recente captura da cidade de Al-Qusair, há mais de um ano em poder dos rebeldes.
Nesse complexo contexto, a grande dúvida é saber se a crise existencial de Washington levará Obama a ceder aos belicistas de plantão, ávidos para cruzar a “linha vermelha” na Síria.
Créditos ➞ Este artigo foi apresentado no Boletim Eletrônico MSIa INFORMA, do MSIa – Movimento de Solidariedade Íbero-americana, Vol. IV, No 49, de 21 de junho de 2013.
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